terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Travessa da Lança e Dardo

Costumava primeiro desenrolar, vagarosamente, o novelo libertário que tinha no bolso, outrora as fronteiras de si. Esticava-o ao longo do espaço novo, por descobrir. Por vezes desenhava filas paralelas, a fazer de conta serem carris de comboio por onde passariam as pessoas apressadas mais as suas ideias banais. Deixava que viessem. Arquitectava então modelos em que primeiro esticava, sem cálculos de estrutura e outros rigores de género, as linhas até se fazerem as palavras. Moldava-as. Modelava. Outras vezes eram as palavras que se faziam a si. E o transformavam. Fosse como fosse, para Rafael era sempre um prazer esticar as suas linhas, uma após outra, transmutando poliedros e círculos para desenhar sintagmas e depois metê-los, onde livres, lhes apetecesse ficar. Esta era a maneira que conhecia de fazer textos redondos, acutilantes, ageis, anquilosados, esdrúxulos. de todas as formas, propósitos e feitios. Hoje não seria assim. As linhas trazia-as enroladas na garganta. Desta vez não iriam para o papel. Clamavam rasgo. Levou-as para a forja. Depois ao rubro, na marreta e na bigorna tratou do resto. Fez delas ferro pontiagudo. Lança e Dardo. Com eles escreverá a sangue a raiva o que nenhuma palavra pode contar.

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