sábado, 13 de fevereiro de 2010

Travessa das Morenas

Eras tão pequenina e já te olhavas ao espelho, desconsolada. Fechavas a mão e com o punho puxavas-lhe o brilho para observares através. Mas só lá estavas tu no que não querias. Desejavas muito ver outra imagem defronte de ti. Afastavas-te ofendida com mil quaresmas no peito. Obrigaste-te assim, desde miúda a não existires com rosto. E da mesma forma cresceste sem dares por ti. Valia-te a força e a graça dos que nascem furiosos. Eras apaixonada como corrente de rio sem margens. Não te davas conta das braçadas que davas. Os adultos só tinham voz nos olhos para gabar o Sol. O oposto a ti que eras Lua. E tu ouvia-os, encharcada. Se calhar eram estúpidos os elogios às louras que te rodeavam. Mas não eram para te esmagar, moreninha. Eles apenas á tua frente, gabando os caracóis dourados das criancinhas vistosas; ignorantes de ti e das fêmeas que nascem de espelho na mão e reflexos no coração. Tu atenta a disfarçar que existias noutra cor. Refugiada atrás da fantasia, sonhando ser tom de sol. Eras tão pequenina para essa tensão com os murmurios desatentos. Se tu soubesses então, como em nada interessam os embrulhos humanos...Para quê tanta cólica de cores a descarnar, morena tonta! Hoje ris-te da miserabilidade do que sentias. E é agora a vez da tua filha perceber o que pouco importa. És tu que a ensinas a caminhar corajosa, na riqueza da sabedoria e dos sentidos. Em verdade nua do que se é. Que bem basta que é tanto. Como tu fizeste por fim, orgulhosa agora. Briosa sempre. Rica de humores, eles que te salvaram. Morena bonita em espelho que revela a deusa poeta de ti.

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