Sertório Júnior era sempre um outro antigo. Sem dúvida, uma criança diferente destinada a grandes feitos. O avô Sertório assim o tinha sido, nos tumultos da primeira república quando, conseguiu a proeza de se manter director-geral da fazenda na alucinação de 40 desgovernos. O pai Sertório regressado de uma curtíssima ida ao Brasil, foi estoicamente comandar a direcção-geral das finanças nas 16 intermitências da terceira república. Sertório Júnior estava pois fadado para os números, que as valentias das guerras, ou o chapéu de abas largas, eram coisas de outros pretéritos.
Mas não se conformava com esse destino anunciado de terceira geração. Sempre que o Padre Hermínio lhe puxava as orelhas pelas equações de segundo grau, o corpo pedia-lhe ar livre. A visão da economia de gabinete e gravata a tirar o pó a dossiês das finanças, antes do escrutínio público do jornal das 9, dava-lhe vontade de mudar de nome. De mudar de terra. De mudar de tudo, antes que tudo se tornasse verdade sem volta atrás. Sertório Júnior não queria contas públicas nem tampouco matemáticas privadas. Só disso tinha a certeza.
Esperou pelo dia certo de ser maior. Levantou-se mais cedo que o costume, determinado a ter finalmente nas mãos as rédeas do seu destino. Sem despedidas saiu pela porta das traseiras e aspirou fundo o perfume matinal do grande limoeiro. Bateu atrás de si o portão dos séculos, de bolsos vazios e sem certeza alguma. De cabeça erguida sentiu-se pela primeira vez homem. E pela primeira vez não se estranhou no corpo. Soube naquele instante que precisava de todos os Sertórios mais antigos que lhe corriam nas veias. Dos seus músculos. Da força e da coragem. Sentiu-os na alma, não da forma desajustada do passado, mas com a naturalidade da pele. E com essa convicção inabalável avançou determinado pela rua de Valdevinos. Assim viria a ser conhecido, na vergonha da família ao renegar o destino traçado no pó dos séculos. Assim foi livre para sempre. Senhor de si, escritor da sua própria história.