quarta-feira, 15 de julho de 2009

Travessa Sezinando Roiz

Fazia hoje 18 anos. O tio Alberto empunhou a Mont-Blanc que o avô Rodrigo Roiz lhe deixou em testamento. Abriu a gaveta do meio da escrivaninha, enquanto deixava deslizar um pouco a sua proeminente barriga para dar espaço à coisa. Sacou do livro de cheques.
Um leve sorriso de soslaio e logo o ar solene lhe carregou o semblante. Puxou um envelope branco, de papel couché, de debaixo do mata-borrão. Levou o cigarro à boca e deu uma baforada lenta.
Sezinando olhava a cena hirto, sem pestanejar, como bem lhe mandava a educação esmerada da família Roiz, enfiada nos seus genes desde os idos de quinhentos, quando serviam el-Rei nas demandas por novas terras. Hirto e expectante sem perceber que raio o tio Alberto estaria a preparar. Pensou nas férias, na Constança, na patuscada que podia fazer com o cheque que o tio se preparava para lhe dar. Arrefeceu a seguir, quando se lembrou da fama de sovina do Sr. D. Alberto, conhecido como a criatura mais pelintra da cidade.
Sério, Alberto Roiz começou por rabiscar primeiro uma morada num papel. Depois, mais acima, escreveu um nome, em letra arredondada, enquanto por baixo do farfalhudo bigode ia humedecendo vagarosamente os lábios e deixava que se rasgasse um sorriso. A seguir, com a solenidade própria que lhe assistia por ser o morgado de Roiz, escreveu caligraficamente cada letra e número num cheque verde, muito bem visto e revisto. Dobrou-o e meteu-o no envelope. A seguir lambeu a cola com malícia, fechou-o levemente e deu-o a Sezinando enquanto lhe agarrava calorosamente ambas as mãos.
Olhou fixamente os olhos do rapaz. E pronunciou com voz matreira - Sezinando, meu rapaz, hoje é um grande dia para ti. 18 anos feitos. Já estás um homenzinho. É altura de experimentares a vida desta terra. Desces a Rua de Machede, que bem conheces, e lá ao fundo, quase no final, viras para a Travessa do Diabinho. Chama-se Rafaela. Entrega-lhe esta carta que ela está à tua espera. Desejosa de te conhecer.

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