quinta-feira, 16 de julho de 2009

Travessa da Caraça

Joãozinho estava chateado. Roído de inveja. Nada a fazer. Aquele estropicio-empertigado-armado-aos-cucos do Nelito tinha conseguido cravar a madrinha Teodora de Jesus para lhe comprar a única, inacreditável, assustadora e medonha caraça do mafarrico, que ele estava a cirandar há mais de um mês, enquanto congeminava o resto da fatiota com que iria assustar a Professora Leontina, rapariga de 57 anos feitos a ensinar meninos ranhosos com uma paciência de missionária.
Aquela história de ter querido esperar por fazer 8 anos e receber o envelope da avó Matilde com a nota de 500 paus, tinha corrido mal. O mostrengo do Nelito, por dois dias, passou-lhe a perna.
Joãozinho estava de gatas. Muito enervado. Tanto namoro. Tanta vista da montra. Tanta expectativa. Tanto entusiasmo para nada. Ele que até nem era parvo nenhum e que numa das vindas da escola podia ter puxado da sua melhor compustura, em bicos-de-pés, de risca ao lado aprumadinha e pedido com um sorriso de orelha-a-orelha à velha Gestrudes Sardinha que lhe guardasse aquela coisa medonha, até que lhe chegasse, no envelope azul, a prenda da avó. Erro imperdoável achar que só os seus olhos brilhavam para aquela horrenda feiosidade da montra do carnaval.
Afinal o idiota do Nelito feio como o caraças, com as suas duas favolas da frente a sairem das beiçolas inchadas, o cabelo de piaçaba, o ranhoca verde sempre a espreitar na ponta do nariz batatudo e as proeminentes orelhas de abano levou-lhe a melhor. Malfadado estupor. Podia ter sido o Xico, ou o atadinho do Pedro, ou mesmo o brutamontes do Tózé, agora o Nelito...todos menos ele! Era o único míudo da escola que não precisava de se mascarar e foi logo ele quem lhe estragou o carnaval.


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