segunda-feira, 27 de julho de 2009

Travessa do Passarinho

António de Jesus empertigou-se na cadeira, levou a mão direita com vagar até à sua cabecita de alfinete, abriu os dedos e puxou o mais que pôde a melena para trás, enquanto inspirava uma lufada de ar, até bem ao fundo de si. Descruzou as pernas e com passo de gingão assomou-se à porta da barbearia. Tinha faro. Isso é que tinha. E algo lhe fez acordar o seu sentido de alerta. Havia pássaro novo lá no bairro. Pressentia-o. Cheirava-o à distância. Desde pequeno que o mais leve perfume no ar lhe eriçava os pelos. Só pelo cheiro sabia-lhe logo a côr da pele, a altura, a longura dos cabelos, a esguiesa das pernas e a idade do bicho. Pássaro novo não. Passarinha. Que ele era homem e muito macho. Mas aquele odor era algo que ele nunca tinha sentido até então. Era quente, salgado e ligeiramente acidulado. Trazia os ares do deserto e as neves frias das montanhas. Era endiabrado e solene. Saltimbanco e realeza. Preto e branco. Tudo e nada. Já tinha cheirado pássaras de todas as formas e feitios. Novas, mornas, doces, melosas, estouvadas, envergonhadas, de cabelos compridos, com buço, mas aquele cheiro que sentia agora lá ao longe, nunca. Ofuscava todos os outros odores dos quais aprendera os nomes. Asomou-se à porta estonteado. Inspirou fundo novamente. Algo começou a subir por ele e a acordar cada milimetro da sua pele. Arrepiou-se e deixou-se levar por aquela sensação desconhecida que lhe alterava todos os sentidos. Deixou que aquilo lhe tirarasse os pés do chão. É isso. Exclamou. Só pode ser. Não há dúvida. Disse em voz sonora, excitado com a descoberta e efusivo a sentir a cabeça andar à roda. Pela primeira vez, nos seus quase 31 anos, que faria com a graça de Deus já na próxima terça-feira, farejava aquilo de que muito tinha ouvido falar. Estava zonzo e abananado. Acabara de o sentir a pulsar em todos os seus poros. Era o cheiro d' O Amor, E soube, naquele preciso instante, que era o seu que tinha acabado de chegar à cidade e tinha aterrado ali para os lados do Becco dos Assucares. Era para lá que ele ía. Era urgente. Era já.


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