terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Rua Menino Jesus


Lembro-me inúmeras vezes de ti. Chegas até mim pelas razões mais diversas e avulsas pequenas referências que a alma colhe daqui e dacoli sem interessar porque é assim. Às vezes até começo a falar como tu, dou por mim a dizer aquilo que não gostava realmente de te ouvir; caio nessas afirmações, reacções, gestos ou comportamentos-herdados, coisa de genes, mistérios humanos, surpreendo-me, mas por outro lado vejo nisso a aproximação do amor que te terei continuado. No outro dia, dei uma gargalhada maliciosa, igual em tudo às tuas. E ri interiormente hesitando entre a contrariedade da versão que uso do que te criticava e o aconchego de mim em ti que me trazes certamente ainda ao colo. Larguei cedo o cordão umbilical, eu sei, mas houve sempre uma cumplicidade especial entre alguma parecença de nós. Quando um amor assim enorme parte ficam mais afloradas as guloseimas do coração . Pode ser sobrevivência afectiva ou gula eterna mas enche o nosso peito dum calor doce e intenso que tempos e vidas depois continua sem idade.

Estamos em época de Natal. E Natal és tu sempre connosco. Mas este ano, em altura de todas as recordações, há mais memória de ti pelas ruas. Há novidades nas cidades, há estandartes vermelhos com a figura do Menino Jesus espalhados pelas varandas e janelas dos católicos, a enfeitar as casas que se transformam desta forma em lares. Lares em Cristo. Tu irias adorar. Não posso dizer que seja tão animado, festivo ou fascinante como as milhares de bandeiras de Portugal que se viram espalhadas país fora durante o “euro” que isso é inultrapassável, foi emocionante e lindo de se ver, era de todos os portugueses e não só de alguns. Mais maravilhoso pelo seu significado só mesmo o branco vestido por Timor. Mas estes meninos também são bonitos, sim; tenho pena que não estejas cá para os ver. Comprarias logo uma dúzia e darias aos teus filhos e netos ou talvez dúzia e meia que eles já são muitos e a verba é para ajudar como tu gostavas.

Sabes? Antes de me pôr a criticá-los naquela minha pressa opiniosa com a qual por vezes te aborrecia, resolvi sossegar um pouco, reflectir sem urgência, e de ideia em ideia fui subindo uma escada rolante que me conduziu até ti. E assim, por ti, mãezinha querida, resolvo ficar calada e não dizer por aí aquelas coisas que me saem esbaforidas de trás para a frente em cachoeiras à flor da pele; antes escolho transformar estes estandartes em bocadinhos de ti que tanto amavas o Menino Jesus que nasceu, cresceu e foi sempre o teu Pai do Céu.

Há uma Rua Menino Jesus, em Évora, não sei se sabias. Hoje essa rua é tua. Digo-to eu que estou lá neste preciso momento contigo. Caminhamos satisfeitas como antigamente de braço dado para não escorregares nas pedrinhas mais polidas da calçada.

2 comentários:

  1. Que bonito! E comovente. Gosto de ler coisas que me fazem sentir mais coisas...Obrigada,
    Rita

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  2. natal traz destas coisas.inesperadas nem sempre que das pessoas que amamos aguardamos sempre o sinal.guardado que foi o registo de que foram muitos os momentos de cumplicidade,a saudade cola-se à pele da gente e tem outros momentos, com data marcada, para ser exaltada.como algumas datas boas são dolorosas.é a saudade das lágrimas enxutas, porque inúteis.ou o clamor da fraternidade que unindo nos recorda a ternura.bom natal que é - assim.

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