sábado, 12 de dezembro de 2009

Rua da República

Altas horas da manhã. Passaria das 4. Não se atrevia sequer a olhar para a angustia do despertador que não tardava o iria arrastar para outro dia de olheiras-de-fato-e-gravata. Fim de sono por decreto a bem da nação. Estava a dar cabo dele aquela vida itinerante de eurorapaz a peregrinar para Bruxelas semana após semana. As emissões de CO2 das milhas que se acumulavam no cartão de passageiro frequente, reentravam-lhe agora pelas narinas e sufocavam-lhe a respiração. Sentia-se com falta de ar. Com vontade que alguém lhe pusesse vick no peito e o mundo ganhasse novamente cheiro a mentol e eucalipto. Puxou mais para cima o lençol para chegar aos 7-anos-mãe-hoje-não-vou-à-escola-que-me-dói-a-garganta. Tossiu. Pigarreou para legitimar para si próprio que era real aquele arranhar todo que o incomodava por dentro. Puxou ainda mais o lençol e ficou escondido lá debaixo na esperança de passar despercebido. Nestas ocasiões achava sempre que devia ter seguido os passos que lhe tinham destinado no berço. Vida pacata. Café no Arcadas do Giraldo. Sesta no verão. Sábado de jipe a distribuir a jorna na herdade. Noites de mal-dizer o ministro da agricultura e dias perdidos no sufoco dos projectos, dos subsídios, das finanças. Um rancho de filhos vestidos em Badajoz, Touradas às quintas em Lisboa. Caçadas aos domingos. Javalis nas noites de lua cheia. Seguros das colheitas. Cortiça de 9 em 9 anos. Carro novo. Barriga a mais. Férias reforçadas. Cabelos a menos. E vinho. E lareira. Mas não. Preferiu os sobrinhos. E a Lisboa a tempo inteiro com a politica a dar-lhe trezes nos cadeirões de direito, que não lhe restavam horas para mais. Fez os amigos certos. As amigas erradas. E trepou por elas. E agarrou-se a eles. E subiu até aos 30 mil pés das idas semanais para a Bélgica, ou a França e mais as comissões especiais que às vezes lhe traziam o prazer do sol mais ameno do lado de lá do Atlântico. Enroscou-se assim que ouviu o som estridente do galo, que não lhe dava tréguas, a dizer que a manhã estava aí a rebentar. E ficou sossegado. A suster a respiração. E subitamente ouviu um som que não lhe era de costume. Uma. Duas. Três. Quatro. Cinco vezes. O sino da Sé. As boas notícias. Afinal não ia haver hoje nenhum avião para apanhar. Era Évora. Era Natal e o tempo dele ser novamente o menino. Daqui a pouco não ia ter o taxi à espera para o levar para o aeroporto entre semáforos cheios de gente aborrecida à espera de engatar a primeira. Podia dormir. As torradas da Josefa iam esperar quentes para lhe dar por dias o sabor da vida que optou por não trincar.

1 comentário:

  1. BOM!Gosto muito dos jogos de palavras...do quer dizer isto e aquilo!
    Beijo!
    R

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