domingo, 27 de dezembro de 2009

Rua das Fontes

Pinto distraída e as horas passam em zonas de tinta que desconfio não ter sido eu a usá-las. Manchas de cor aparecem na tela como se soubessem sozinhas onde se posicionar. Instalam-se decididas, sabendo por magia o seu lugar destino. Numa coreografia combinada em dias reais. Não recordo os castanhos, os cinzas ou os vermelhos mas tenho ideia de um negro, nos contornos poucos, jogando às escondidas com a luz no meu pulso.
Sonho-te em pinceladas enquanto nem uso pincéis. É na base da espátula que estás, ora grande ora em apontamentos imediatos para que te identifique em devaneio limpo. Tudo automático como se a minha mão não estivesse presente. Até o cansaço me esquece e o trabalho faz-se pássaro cujos movimentos já me entretive inúmeras vezes a seguir. Nem me ocorre que hoje sou pardal e tu água fresca em pingos escorridos de cor. Mas acontece. E debico as tintas sobre os sonhos em fonte de ti.

Distraio o olhar janela fora e vejo o meu companheiro de tantos anos, abeto em fundo de rio, sempre de braços abertos. E com ele, os meus voos, libertos; transportando nas asas a vida, à tela. Por um momento regresso e à minha frente encontro imagens belas em tricolor. Como tinha concebido em dia de chão.
Molho o bico nas águas da fonte que colho em voo rasante. Retorno as vezes necessárias até alcançar a frescura a estampar-se nos óleos. Acabo contigo estas obras pintura e fico-te grata pelo que consigo.

Preparo nova série, dias mais tarde, com o mesmo tema desta vez em coloridos mar. A mesma coisa. Mágico. Afinal não foi fantasia. Mantenho-me pássaro e sobrevoo-te nas formas livres dos meus movimentos. Vão directas em escorrega do coração para as manchas azuis e verdes que a água da fonte ilumina intensamente. Reconheço-te no resultado em obras baptizadas e repintadas vezes sem fim, onde a noção do empenhamento se desviou para ti. Faço agora só contornos. Experimento desta vez os vazios. Que se enchem com o olhar daqueles que vestem os sentidos. É o peito em tambor. As palpitações em pandeireta. E a tela a sorrir-me na alma. Pois também desta vez foi contigo que a consegui.

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