Sonho-te em pinceladas enquanto nem uso pincéis. É na base da espátula que estás, ora grande ora em apontamentos imediatos para que te identifique em devaneio limpo. Tudo automático como se a minha mão não estivesse presente. Até o cansaço me esquece e o trabalho faz-se pássaro cujos movimentos já me entretive inúmeras vezes a seguir. Nem me ocorre que hoje sou pardal e tu água fresca em pingos escorridos de cor. Mas acontece. E debico as tintas sobre os sonhos em fonte de ti.
Distraio o olhar janela fora e vejo o meu companheiro de tantos anos, abeto em fundo de rio, sempre de braços abertos. E com ele, os meus voos, libertos; transportando nas asas a vida, à tela. Por um momento regresso e à minha frente encontro imagens belas em tricolor. Como tinha concebido em dia de chão.
Molho o bico nas águas da fonte que colho em voo rasante. Retorno as vezes necessárias até alcançar a frescura a estampar-se nos óleos. Acabo contigo estas obras pintura e fico-te grata pelo que consigo.
Preparo nova série, dias mais tarde, com o mesmo tema desta vez em coloridos mar. A mesma coisa. Mágico. Afinal não foi fantasia. Mantenho-me pássaro e sobrevoo-te nas formas livres dos meus movimentos. Vão directas em escorrega do coração para as manchas azuis e verdes que a água da fonte ilumina intensamente. Reconheço-te no resultado em obras baptizadas e repintadas vezes sem fim, onde a noção do empenhamento se desviou para ti. Faço agora só contornos. Experimento desta vez os vazios. Que se enchem com o olhar daqueles que vestem os sentidos. É o peito em tambor. As palpitações em pandeireta. E a tela a sorrir-me na alma. Pois também desta vez foi contigo que a consegui.
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