terça-feira, 24 de novembro de 2009

Rua da Moeda

A prata reflectia-se naquela rua atapetada em cambiantes de brilhos. Quando o sol se esparralhava descontraido, a luz tornava-se demasiado intensa ao ponto de ser impossivel circular. Além disso a calçada enchia-se de vaidades ameaçando queimar. Transformava-se num maravilhoso vulcão urbano, um caleidoscópio de pontos furiosamente luminosos. Seja como for nesses dias os corpos estagnavam hipnotizados à boca da rua, incapazes de largar o olhar, fascinados..
Foi num dia assim que apareceste. Eu vi-te tal como te estou a ver agora. Não tinhas idade nem contornos nítidos, eras lindo sem definição. Parecias sem reflexos embora transmitisses de tudo um nada. Faltava-te apenas qualquer coisa que te elevasse a mais. Isso nessa altura em que havia o vulcão. Depois a rua fazia-se prata, mar espelho em dias onde a névoa é magia. Era igualmente impensável pisar beleza assim. Mas não para ti; desta vez permaneceste ali com a tua energia teimosa; começaste a atravessar a calçada de brilhos cunhados e desequilibraste a harmonia das coisas. Eras um poeta de mil cunhagens onde não se lia palavra alguma. A calçada, Rainha da rua não te perdoava. Em passadas decididas, ou nem tanto assim, pisavas as moedas que brilhavam sob os teus pés. Sabias onde ias, querias chegar ao lado de lá. Mas um fenómeno ia ocorrendo à tua passagem: conforme caminhavas deixavas o brilho para trás e, da rua que te faltava, a prata escurecia-se como luzes apagadas. Nem te apercebias. Seguias como um cego cuja única preocupação é chegar sem esbarrar. E não esbarraste. Desapareceste. Amante do belo sem dar contas de nada fechado na realidade que eras tu. As varandinhas bordejantes olhavam-te com malícia, expectantes; as casas caiadas de brancos variados observavam sem te avisar…que aquela moeda, aquela mesmo, a mais vistosa de todas entre as que olhavas atapetando o chão..era o ralo das moedas pisadas até então. Agarraste-a, emocionado, era única de facto; mas esvaziaste com esse gesto a rua em que seguias. As moedas foram sugadas mal se viram sem o ralo que retiravas, e tu seguiste com elas, desprovido da virilidade contrária à força da sucção. A moeda que apanhaste? pouco a tiveste na mão. Atiraste-a ao ar no meio da atrapalhação. E ela ainda hoje lá está. Em placa que merece distinção.

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