quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Rua do Raimundo

Sussurraram-lhe ao ouvido o segredo do universo, o sentido da vida, o mistério de tudo. Estupefacto ficou parado, sem expressão e sem ter o que fazer a seguir.
O grande relógio do tempo parou subitamente deixando-o ali só, desperançado e confinado ao espaço de viver na eternidade das badaladas certeiras, a cada quarto-de-hora, do relógio da Sé. Então era aquilo. Aquilo que passou uma vida inteira a tentar descortinar era subitamente a mais vazia de todas as revelações. Não havia big-bang. Não havia sentido. Não havia mistério. O universo afinal não era mais do que um grande mal entendido feito por alguém que se esqueceu de colocar um ponto final no fim do texto... Por causa disso provocou um eco interminável, audível até aos confins dos tempos com o som grave da última sílaba da frase que escreveu. Afinal aquele estremecer que sentia quando apontava as antenas para o espaço profundo e ouvia o ressoar daquele som solene e sempre lá, o arrepio na espinha que sentia nas aulas de ioga ao ouvir o mesmo som, o estado de extase quando meditava com aquele mantra, não tinha passado de um grosseiro erro de pontuação. A chave que o fez perder dias a tentar descobrir os mistérios da vida e da morte e lhe deu alento e esperança para passar todas aquelas provações nos seus 78 anos quase feitos (não fora este sussurro estúpido que o finou no melhor da festa...), afinal não passava da insignificante ultima sílaba duma palavra, bem estúpida por sinal.
O “om” , aquele “om” misterioso e profundo que ele julgava encerrar em si tudo o que era, não-era e estava para ser, era afinal o som das silabas do "pompom" da história parva que um idiota um dia escreveu num bloque e se esqueceu de passar pelo corrector ortográfico... Uma omissão fatal, que acabou por dar azo aquele mal-entendido ao mesmo tempo que criou aquele mundo todo em expansão permanente, que Raimundo só conseguiu descobrir depois de chegar ao fim da sua história

1 comentário:

  1. Do mar de esperanças, tormentos até ao campo e pedras de outras existências de suor, amor, lágrimas e bem aventuranças. Há um contínuo velado que pela fechadura da imaginação se espreita. Como um petiz que em bicos de pés quer alcançar a lua, navega-se em barcos de papel que não se desfazem na espuma do teu olhar.

    Olhas-me e vês para além do tempo, como se de outros tempos viesse o olhar da alma que se perde, e se encontra sempre. Não estavas perdido, estiveste sempre ali. Por entre ruas que correm nas artérias vivas, no pulsar de quem não vive distraído. Na imensidão da casa / universo condensado num olhar, pairando bem alto.

    Em ciclos rodopia-se, acrescentando sempre, iluminam-nos luzes de espirais que envolvem e fazem dançar.

    Florbela

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