Como não tinha a certeza de estar mesmo presente, apalpou-se para se reconhecer. Não se lembrava de alguma vez ter sentido tão forte a transcendência.
Inalava os primeiros momentos dum novo acordar, transvertia as emoções a seu belo prazer. Fazia-se cavalo em unicórino de si e deslizava como cobra pelas árvores do passado. O pensamento, esse, planava como águia senhoria dos céus. A seus pés, o mar, agitado e bruto. Não aquele mar que chega em passinhos de cânticos doces, mas o outro; aquele de ondas gigantes vestidas de branco e tocando tambores e trompetas. Forte e viril como ele, Salvador Velho.
De cabeça erguida, calçou a cauda de sereia e atirou-se às vagas. Em baixo, as águas abriram-se para o receber em maresia de mulher. Acolheram-no com carinho e ele deixou-se embalar. E o mar que lhe parecia macho lusitano era agora mulher. Salvador em sais de espuma no feminino. Rejuvenescendo como uma criança num carrossel de virgindades. Esquecendo formas ou intenções.
De olhos abertos os dois que agora eram, sol e lua, cheirando a mar. De novo na arriba, Salvador e o seu par; deitados no pé da serra. Sem se mexerem, sem perturbar o silêncio; drogavam-se apenas com o perfume que emanava dos eucaliptos. E em parceria desenhavam sonhos com os intervalos das folhas projectados no tecto de céu.
Tinha de haver deuses de facto, e estavam passeando por ali.
(Este texto , extra-blogue-mas-já-agora-também-serve-e-publica-se-na-mesma, teve como mote o seguinte TPC dos co-autores aqui do burgo:
" À primeira vista não passava de um ser que juntara o seu corpo humano a uma cabeça equina, com cauda de sereia
e escamas de serpente"
Humberto Eco
= o que aconteceu a este homem para se transformar nesta criatura?)
e escamas de serpente"
Humberto Eco
= o que aconteceu a este homem para se transformar nesta criatura?)
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