terça-feira, 6 de outubro de 2009

Travessa da Tamara


Escorregavam as gotas das folhas e caiam-lhe sobre os pés.
Ela passeava distraída e devagar de olhos postos no chão.
Uma vez por outra levantava a cabeça
que mantinha por minutos paralela ao tecto do céu
queria que os vestígios da chuva lhe chegassem também ao rosto.
Abria a boca, recebia os pingos e sorria estonteada.
Ia pisando as pocinhas da calçada como se o incómodo da água fosse
uma benção intencional.
Apreciava aquele desconforto à maneira de consolo.
Desceu a Tv. da Tamara e o cinzento do dia avermelhou-se.
Mª do Patrocínio inventava cor fosse onde fosse
mas a ideia do fruto, desta vez, avivou-lhe a cor das dores.
Costumava fazer este ritual sempre que padecia.
E como por ali muitas vezes chovia era um luxo que podia.
Não se sabe precisar quanto tempo andava assim
Nem tão pouco ela própria dava conta por onde ia.
Tinha de vaguear sem pensar para conseguir reflectir.
Mª do Patrocínio encontrava os caminhos da vida assim
Sem gastar um tostão, sem precisar de mais nada
se não de encontrar uma rua pingada.
No bom tempo? percorria, pé descalço, os caminhos do riacho.
Naquele dia, porém, caía já a noite e ela não se resolvia
“que faço eu Maria” perguntava mil vezes para si.
Acendiam-se as luzes da cidade mas ela não podia regressar
precisava decidir que fazer com o pesar que carregava.
Esgueirou-se para uma igreja onde jazia um corpo.
Só uma pessoa lá estava e ela sentou-se também.
Confortou-se naquela paz onde ninguém queria entrar
respirou o cheiro intenso das flores a preto e branco
deixou-se ficar, e ficar...e ali quieta viu à lupa a solução.
Voltaram-lhe as cores das flores. Rejubilou. Decidiu que partiria.
Acreditou que ia para o Céu saiu da Igreja a correr
e foi excitada ruas fora, tinha pressa, ia pra casa morrer!

Sem comentários:

Enviar um comentário