terça-feira, 27 de outubro de 2009

Travessa de João Barradas

De janela aberta, ela começa a ouvi-lo. Desliga os sons da casa. As luzes, também. E escuta.
Segue a música que identifica com o que em jovem era. Cerra os olhos que usa agora em lanternas de interior. E deixa-se embalar pelo som. Míii, sool…réee..sool...momentos há eras guardados no sótão de si. Acompanha o rasto da luz. Não percebe se arde se alivia. Mas sorri. A viola toca sem nexo embora lhe faça todo o sentido. E dispara em memórias até ao jardim do passado. Maestrina de sóis.

Senta-se na cadeira de sempre, verde, de ferro e chapa de pregos pingados. Pousa os livros que partilha com um amigo tão particular dessa época de jardins. Eram uma delicia aqueles encontros que relembra. Sorri novamente, distraindo-se agora da viola, e vem-lhe à cabeça a frase preferida do João Barradas: “..eu? eu não tenho amigos! eu só tenho relações cordiais de convívio!!..”. Como ele insistia na sua teimosia de se manter diferente. Era tão divertido desconversar com o João. E era nesta desconversa que ela tanto aprendia. O pouco que sabia, fosse de filosofia, de literatura, o pouco que sabia de música tinha aprendido ali, com o Barradas, naquele jardim encantado do passado. E ali deixara ficar tudo o que sabia! Ou não...

De regresso a si, hoje, agora, naquele momento, certificava-se que não.
De janela aberta, escutando os sons da viola que saíam da casa do vizinho da frente. Apenas. Inesperadamente. O retorno de si em notas soltas de viola.
Num sótão onde esquecera tantos acordes mas que estavam lá. Limpos. Intactos. Em recanto arejado e cheio de pautas mágicas como são as pautas cheias. Melodias em tesouro de sons. Havia requiems sim. Mas o som que entrava por ela adentro fazia-se ouvir em allegro grazioso.

Sem comentários:

Enviar um comentário