segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Travessa da Viola

Dedilho as cordas desta viola-folha-de-papel-pautado onde pinto as colcheias e as semi-fusas do som da minha alma. Dedilho-as escrevendo coisas sem sentido, numa cadencia de compassos quaternários em ritmo de adágio. Dedilho-me a mim nesta invenção, sonata, com uma mudança de tom maior pontuado de bemois. Saem-me notas das pontas dos dedos e entram engolidas nos ouvidos até ao fundo de mim. Rasgo um som brusco fazendo vibrar cada corda em uníssono. Risco. Amplifico-me. Electrifico-me. Salto para o palco. Cabelos compridos. Peito aberto. Agitação até romper a madrugada. Paro-me. Apago-me. Puxo um som suave da primeira corda. Grave. Intimista. Voz de mulher a seguir o ritmo. Xaile. Fado. Rouquidão de alma. Sobressalto por cima do baixo. Dedilho-me devagar. Traço leve. Nostálgico. Amarrado à sina. Ao passado. E deixo que saiam notas sem sentido numa melodia desafinada. Jobim com violão de papel, a compor para a garota que se foi. Requiem. Elegia. Virar de página. Viola no saco.

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