sábado, 15 de agosto de 2009

Travessa Torta


Há nomes enganadores e não falo em pormenores. A travessa tinha lutado para que não a chamassem assim. Porque a tratavam de Torta? Por não lhe verem o fim?

Ao caminhar pela rua, Cristina revia a sua vida como em filme. Entrou no passado de frente para trás e até ao invés de quando em vez. Ouvindo o desabafo da travessa, resolveu tentar entendê-la, dividiu as suas memórias em travessas tortas, que não eram tortas evidentemente, eram apenas invisíveis lá pró fim. Demorou alguns minutos nestes caminhos, saiu deles e voltou, voltou a sair e reentrou. Nunca se viu em palco. Reviu-se apenas lá, num tempo que teve, num espaço que ocupou, em momentos que amou em outros que desamou. Sempre sem precisar de ver o fim. Se o visse, o fim, não caminhava em busca, limitava-se a ir para lá. Cristina caminhara com a satisfação do deixa “ver o que há”. Isso dera-lhe o prazer da descoberta, e, satisfeita ou não, essa ficava feita; saltitava então para outra e já não se via o atrás, que a curva cortava-lhe o passado, bastava seguir em frente para outra temporada sem conhecer o traçado; passeou pela vida fora em travessas tortas, se assim lhe quisessem chamar.

Voltou para o presente e reparou que tinha gostado das travessas que calcorreou, e de tal forma percebeu que tinha fugido do palco, esse quadrado limitado, que o presente - relido o passado – ficou com mais significado. Nem questionou escolher aquela rua para si. Não te tratam mal, explicou à sua Travessa Torta, devias estar vaidosa: ninguém te pode percorrer com o olhar. Para te conhecer, têm mesmo de te atravessar.

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