sexta-feira, 7 de maio de 2010

Rua do Muro

Abraças-me a cintura. Esvazias levemente os pensamentos no meu ombro enquanto me dizes até já. Descem-me pelo peito. Caem-me para o bolso onde se misturam com as chaves do meu mundo. Tento agarrá-los com a mão direita. Mas passam-me pelos dedos e escapam-se. Como tu. Escorregam. Livres. São teus de facto. Os pensamentos. Não são de se prender. Deixaste-os comigo enquanto foste dar a tua corrida à volta das muralhas. Livraste-te deles, por momentos, só para não ires tão carregado. Sinto agora a rugosidade das pedras a tocar-me, áspera, enquanto me encosto no muro e te vejo desaparecer ao longe em passo acelerado. Rasgo um sorriso por me dares a guardar os teus segredos sem pedires licença. Tento uma vez mais agarrá-los com vontade de entrar por ti adentro. Por fim consigo. Apanho um e passo de rompante para o fundo da tua mente. É a tua cabeça inteira na minha. A pensar como tu. A ver-me por fora o que eu não sei que sou por dentro. Extasio quando vejo o que tu sentes, neste estar assim a contrastar, macia, o muro que me arranha a pele. E fico neste embalo de te saber entregue a mim numa mistura ocupada de mistérios. Perco a noção de tempo na invasão de sentidos no lado de fora. Tu em mim. Eu de ti. Entronizada. Deste lado da muralha, a saber-me a dona do castelo. Contigo a colocar-me a tiara, o ceptro, o coração nas mãos. Desfaço-me na surpresa absoluta do que é saborear-me assim, por fora, numa imagem de mim alucinante. Rainha das copas. Baralho de cartas a revelar todo o futuro.
Passou-se o tempo. Apareces de súbito. De corpo inteiro. Sôfrego. Ofegante. Determinado a resgatar o que é teu. Trazes-me à terra. Devolves-me os meus olhos do presente. Sorrio-te com a cumplicidade cega de te conhecer agora por dentro. Ao fazê-lo, saem-me da cabeça os pensamentos e voltam para o bolso onde os deixaste. Encostas-te então a mim e com mãos e beijos sugas-me o que é teu teu e levas-me contigo ao outro lado das muralhas.

3 comentários:

  1. Jogo de palavras. Rua tornada mulher, numa sublime dança...muito bonito, profundo.

    Obrigada.

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  2. Passas por mim...pareces indiferente. Hoje não. No sorriso claro, simples, aberto. O que escondes? O que entendes revelar? Espero e recebo, sem qualquer espécie de condições. Fluir é preciso...

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