sexta-feira, 7 de maio de 2010

Beco da Espinhosa


Está escuro. Nove da noite e tu não chegas. Gostava que viesses para casa, são horas de descansar. Mas tu não queres vir, que não descansas, não sabes. Relaxar, repousar, descontrair é acção, julgas que não? Mas é um dom que esqueceste, já não consegues, não tens…
Há anos ensinei-te. Íamos para a quinta ao final do dia e tu passeavas descalça, um par de sapatos numa mão, a outra agarrando a minha. Lambias aquela pausa que te sabia a uma porção de coisas. Era o paladar da vida ao gosto do tempo. Cada pedaço um dia inteiro e nós vivíamos assim dez vezes mais do que qualquer um. Uma pegada na terra e era uma manhã desdobrada, uma gargalhada solta momentos duma tarde sem fim; uma corrida na relva e a noite voltava cumplice, bicho de conta ao nascer do sol.
Eras linda, rapariga. Só por que vivias. Sem espinhas nem delongas.

Vem-te embora. Larga essa lida, lambida, penosa. Beco sem saída se não fugires já. Anda, mulher, solta-te, avança. Deixa essas horas espinhosas e volta rapariguinha.

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