segunda-feira, 14 de junho de 2010

Rua das Donzellas

Era Verão, tarde. Descias a rua com a tua elegância vestida, uma alça descaída, o vestido rosa pálido abotoado até abaixo excepto no último botão, e tu morena pintada de propósito para seres bonita. Debaixo do braço, uma pasta deixava ver umas folhas fugidias e apetecia avisar-te que iriam cair. Tu sacudias o corpo numa dança de passos que mal tocavam o chão. Eram sete horas mas estava ainda calor. Sentaste-te na esplanada para tomar um chá frio. Eu ia seguindo-te ao longe e não era só com o olhar. Entre nós dois esteve sempre ele. Aproximei-me de ti e senti um empurrão invisível. Não notaste. Agarraste nas folhas em letras tricotadas à mão. Caiu um papel e usei o pretexto para te abordar. Mas o som das minhas palavras não se fazia ouvir. Esforcei a voz, os lábios mexiam mas eu parvo e pasmo nem uma palavra dizia. Acerquei-me do personagem, furioso. Mas ele era imaterial, fantasma. Usei então o teu papel e escrevi. Perguntei, atrevido e só, se podia fazer-te companhia. Coçaste a orelha, ajeitaste os cabelos com uma leveza incrível, donzela do ar. Tricotaste uma resposta de sim. Na condição de que eu afastasse o ocaso dali. Fiz-me enorme, presente. Vertical. Apostei no momento, sovei o vento. Ficou sempre Sol, sem tempo, entre mim e ti. E tu viste-me e ouviste-me tal e qual o fazes agora. Donzela do ar, hoje, em nós só hoje, pela rua fora.

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