domingo, 17 de outubro de 2010

Praça do Giraldo (I)

Regra geral o Geraldo era pontual. Parecia que o tempo lhe sobrava. Adivinha-se numa pessoa assim um personagem com a agenda cheia de vazios. No entanto a sua aparência desconfirmava-o, absolutamente. Vestia-se à pressa, não a correr, à lá pressa; à lá moda da moda da pressa; esta moda dos agoras, à moda do já! Geraldo, vestido de pressa mas com a maior tranquilidade nos gestos e no rosto.

Roupagem de pressa significa um casaco a voar gola enfiada para dentro, um cachecol a descair do saco, um casaco com os bolsos a transbordar, umas sapatilhas sapato que se pareçam com uns sapatos sapatilha, uma gabardine de ombro descaído pelo peso do “PC”... Regra geral o Geraldo era pontual. E nisso era um desigual.

Ao contrário da voragem da época e da sua contemporaneidade este personagem tinha tempo para tudo. Mais ainda, tinha uma atitude passiva, tranquila, redonda.

“Não, esteja à vontade, não tenho pressa nenhuma!” era uma frase que se lhe ouvia regularmente. Uma aberração, o tipo!

"Por favor não demore, estou atrasadíssimo...a conta, rápido, que tenho de ir embora!...olhe, desculpe, ainda demora muito??. Geraldo, à parte desta confusão.

E ali estava ele à esquina esperando pacientemente pelo seu amigo Tomé. Tomé aparecia-lhe sistematicamente pontual num atraso de 20 minutos. E Geraldo em geral aguentava.

Desta vez porém abalou. Faltavam 5 minutos para as sete. Viu Tomé bem ao longe correndo na sua direcção mas continuou, subindo, imperturbável, ignorando-o. O edifício estava à sua frente. Entrou. Tomé esbracejava, agitava em grito de espera.

Mas Geraldo desta vez não esperou. A cerimónia ía começar. A "Harmonia" abria as portas, os convivas entravam. Geraldo sentou-se, sossegado. Eram três os amigos que tinha à sua frente, e ainda o fotógrafo amigo dos amigos. A sessão de lançamento do seu livro ia começar.

Geraldo estava lá para os abraçar. Num abraço do tamanho duma praça. Enorme. Central.

Tomé alcançara a sala, procurava-o ansiosamente. Tinha o pavor de ficar só. Era isso sobretudo que os diferenciava. Tomé era nervoso, miúdo, pequeno. Geraldo era grande, combativo, e bonito sem pavor nem favor.

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